Augusto Fidelis
Ontem, por acaso, peguei um livro na estante e comecei a folheá-lo. Logo nas primeiras páginas, deparei-me com uma crônica de Ledo Ivo, publicada em 1968, sob o título “Fábula da Cidade”.
Ao ler o texto, escrito há 49 anos, pude constatar que seu conteúdo é muito atual. Ledo Ivo fala da desumanização do espaço urbano, e chama a atenção para um detalhe que muitos sonham, mas poucos ousam dizer: “Uma casa é muito pouco para um homem: sua verdadeira casa é a cidade. E os homens não amam as cidades que os humilham e sufocam, mas aquelas que parecem amoldadas às suas necessidades e desejos, humanizadas e oferecidas – uma cidade deve ter a medida do homem”.
A exemplo do Rio de Janeiro, citada pelo autor como uma das cidades desumanizadas, creio que não há nenhum exagero em dizer que Divinópolis está correndo o mesmo risco, devorada pela noção de pressa e do combate, sem rostos que se iluminem em sorrisos e lugares que convidem à permanência.
Andar pela Avenida 1º de Junho e rua Goiás, na maioria das vezes, requer uma dose extra de paciência. À noite, é preciso cuidado, pois os larápios estão à solta em busca dos incautos. Os distribuidores de panfletos de toda ordem emporcalham a cidade e contribuem para o entupimento dos bueiros. A batalha do dia a dia induz os munícipes a uma dose elevada de nostalgia, saudosos da época em que a violência era algo distante.
Ledo Ivo termina sua crônica com um diálogo acontecido numa rua do Rio de Janeiro, o qual já presenciei também em Divinópolis, embora as palavras fossem outras. Descreve o autor: “Um carioca dos velhos tempos ia andando pela avenida, esbarrou num cidadão que vinha em sentido contrário e pediu desculpas. O outro, que estava transbordante de pressa, indignou-se:
– O Senhor não tem o que fazer? Esbarra na gente e ainda se vira para pedir desculpas?!”.
O tempo voa e com ele não tarda o outono. O mês de março caminha para o fim sem que a chuva benfazeja imortalidade por Elis Regina dê o ar da graça, para combater a poeira e lavar a alma. Os pessimistas alardeiam que neste ano Divinópolis não escapa: vai haver racionamento de água.
Então, se a natureza dá o seu castigo, faz-se necessário que os seres humanos justifiquem o título, sejam mais cordiais, solícitos e amparem uns aos outros. Assim, as esperanças serão sempre renovadas, pois é preciso acreditar que tudo vai mudar para melhor, a começar pelo local em que moramos. Divinópolis, ainda que tardia, terá a medida dos seus habitantes. augustofidelis1@gmail.com
