A importância do reconhecimento de pessoas no processo criminal
O reconhecimento de pessoas é um procedimento previsto no artigo 226 do Código de Processo Penal e destina-se a auxiliar na busca da verdade durante a investigação policial ou no processo penal, para a identificação de pessoas (potenciais autores ou participantes no crime).
O próprio artigo estabelece o procedimento que deve ser respeitado para o devido reconhecimento, devendo ser da seguinte forma: a pessoa que fora “convidada” a reconhecer deve traçar primeiramente as características da pessoa a ser reconhecida, apontando, por exemplo, tonalidade de pele, de cabelo, marcas, tatuagens, tamanho…
Em segundo momento, a autoridade deve apresentar (se possível) outras pessoas com as mesmas características, para fins de comparação entre elas, para que se evite o apontamento de uma único suspeito, a fim de evitar a possibilidade de induzimento de respostas.
Ao final, deverá ser registrado todo o ato.
Entretanto, apesar da previsão legal sobre o reconhecimento, o sistema jurídico ainda é incapaz de cumprir a lei e utiliza do instituto do reconhecimento como mera formalidade.
A lei trata o reconhecimento de pessoas como um ato oficial que deve respeitar o procedimento. O que preocupa é a forma como esse ato é realizado na rotina forense, por exemplo, durante a fase inquisitorial (durante a investigação policial) é muito comum a autoridade policial ou judicial, pedir à testemunha que reconheça o suspeito do crime, tendo somente uma única pessoa para ser reconhecida, que estará em uma sala e algemado, um outro exemplo, o reconhecimento é realizado por apenas uma fotografia.
De acordo com as diretrizes fixadas pela Sexta Turma no HC 598.886, o reconhecimento a partir de fotos é possível, mas tem de seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal.
Logo desobedecer o procedimento, torna o reconhecimento ineficaz, pois além de não seguir a norma prevista em lei, ainda induz a resposta da testemunha.
Ademais, o problema não se limita tão somente quanto ao descumprimento ao procedimento descrito pelo CPP, o que torna-se mais sombrio é o entendimento dos tribunais que entendem que o descumprimento do procedimento legal não gera nulidade, mas sim uma simples irregularidade.
Entende-se que, o desrespeito do procedimento, seja na fase policial ou judicial, promove injustiças e condena pessoas inocentes, suplantando as garantias do devido processo legal.
Coube a banca defensiva, como personagem do sistema judicial, buscar meios para fazer valer o procedimento positivado no nosso C.P.P. como por exemplo do projeto “Innocence Project Brasil”, que através deste projeto, esse entendimento jurisprudencial está sendo superado pelo STJ.
Conforme o relatório emitido pelo “Innocence Project Brasil” atuando em erros de reconhecimento, revolucionou a interpretação sobre a prova decorrente do reconhecimento de pessoas, fixando paradigmas essenciais para evitar a condenação de inocentes.
O Innocence Project Brasil atuou como Amicus Curiae no Habeas Corpus 598.886 que vem tendo ampla repercussão prática: o precedente já foi mencionado em quase 300 novos casos que chegaram ao STJ, vindos de 23 dos 27 Estados do país, e em mais de 70% deles a Corte utilizou-o para libertar ou absolver condenados equivocadamente reconhecidos por testemunhas.
Por fim, através desses e outros argumentos a jurisprudência do STJ tem mudado seu entendimento quanto ao assunto, concordando pelo cumprimento do procedimento do reconhecimento, bem como reconhecendo a nulidade do ato por inobservância desse.
Douglas Carvalho. Advogado atuante especialmente na seara criminal, militante contra a arbitrariedade estatal e apaixonado pelo tribunal do júri.
E-mail: douglascarvalhoadvocacia@gmail.com.