Pedras no Caminho

De Augusto Fidelis

Certa vez, vi na televisão uma entrevista de Carlos Drummond de Andrade na qual ele explicava que a pedra do seu famoso poema, “No meio do caminho”, não era nada mais do que a dificuldade que ele sentia de escrever um poema, naquele momento. Ele queria escrever, precisava escrever, mas não encontrava as palavras adequadas. Tudo indica que era noite, talvez de madrugada, já que ele diz: “Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra / tinha uma pedra no meio do caminho”.

Todos nós encontramos pedras no caminho, às vezes difíceis de serem removidas. Escrever, por exemplo, não é fácil. Há dias em que não há um assunto interessante, capaz de prender a atenção do leitor. Noutra hora, existe o assunto, mas o cansaço de um dia de trabalho, depois de uma jornada em que a principal tarefa foi retirar pedras do caminho, não é novidade se o dever de escrever se transforme numa pedra, às vezes irremovível.

E por falar em pedras, diz uma lenda árabe que dois amigos viajavam pelo deserto e, em determinado ponto da viagem, discutiram. O outro, ofendido, sem nada dizer, escreveu na areia: “Hoje, meu melhor amigo bateu-me no rosto”. Seguiram viagem e chegaram a um oásis onde resolveram banhar-se. O que havia sido esbofeteado começou a se afogar, sendo salvo pelo amigo. Ao recuperar-se, pegou um estilete e escreveu numa pedra: “Hoje, meu melhor amigo me salvo a vida”. Intrigado, o amigo perguntou: 

– Por que, depois que te bati, tu escrevestes na areia e agora escrevestes na pedra? – Sorrindo, o outro respondeu:

– Quando um grande amigo nos ofende, devemos escrever na areia, onde o vento do esquecimento e do perdão encarrega-se de apagar; porém, quando nos faz algo grandioso, devemos gravar na pedra, onde vento nenhum poderá apagar…” 

As pedras têm mil e uma utilidades: machucam, mas também constroem. O problema é o uso que se faz delas. Carlos Drummond usou a sua para algo que encanta todos quantos conhecem o seu poema. Buda, por exemplo, adverte: “Persistir na raiva é como apanhar um pedaço de carvão quente com a intenção de atirá-lo em alguém. É sempre quem levanta a pedra que se queima”.

Na verdade, ninguém está a salvo, pois viver é levar pedradas, às vezes maiores, às vezes menores. Mas de tudo fica uma proveitosa lição. Sendo esta a verdade, vale a pena tirar do baú o pensamento de George Bernard Shaw: “A vida é uma pedra de amolar: desgasta-nos ou afia-nos, conforme o metal de que somos feitos”.

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