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Desvio produtivo e seu impacto nas relações de consumo

No mês de março, em que se comemora o Dia Mundial do Consumidor, uma reflexão sobre os direitos dos consumidores se torna ainda mais necessária, especialmente diante de práticas de mercado que comprometem não apenas a justiça econômica, mas também a qualidade de vida dos indivíduos. 

Nesse sentido, somos desafiados a discutir a ideia do desvio produtivo do consumidor, por meio de uma teoria que nos oferece uma lente crítica para examinar tais questões, sublinhando a importância de reconhecer o tempo perdido pelos consumidores como um dano legítimo, passível de compensação.

O conceito de desvio produtivo do consumidor foi introduzido pelo jurista brasileiro Marcos Dessaune, e se refere à situação em que consumidores precisam desperdiçar seu tempo e investir esforços para resolver problemas gerados por práticas inadequadas de fornecedores de produtos ou serviços. 

O desvio produtivo ocorre quando o consumidor, em vez de dedicar seu tempo a atividades produtivas ou de lazer, é forçado a se desviar para solucionar questões as quais não deu causa e que lhe foram impostas por falha ou negligência do fornecedor. Dessa forma, ele acaba assumindo deveres e custos que, em princípio, caberiam ao fornecedor.

Esse conceito chama atenção para o fato de que o tempo do consumidor tem valor e que a perda desse tempo não apenas causa frustração e estresse, mas também representa um prejuízo econômico e existencial. Portanto, o desvio produtivo é entendido como uma forma de dano que deve ser compensado, desafiando a noção de que tais inconveniências sejam meros aborrecimentos sem direito a reparação.

Os problemas de consumo criados por fornecedores, que vão desde a negativação indevida em bancos de dados de restrição ao crédito, ao fornecimento de serviços não solicitados, como empréstimos bancários – uma prática reiterada prejudicial ao público idoso – exemplificam a necessidade urgente de uma mudança na maneira como o sistema jurídico aborda as queixas dos consumidores. Esses casos não são simples inconveniências; eles representam uma usurpação do tempo dos consumidores, obrigando-os a se desviar de suas atividades cotidianas e, muitas vezes, a assumir ônus financeiros e emocionais significativos.

Outras situações, como a dificuldade enfrentada pelos consumidores ao tentar cancelar serviços, onde se veem enredados em processos burocráticos tortuosos, ou a venda de produtos defeituosos que exigem múltiplas e infrutíferas tentativas de reparo, reforçam a teoria do desvio produtivo. Estes não são meros dissabores; são violações do direito do consumidor a um tratamento justo e respeitoso, que afetam profundamente seu bem-estar e produtividade.

Nesse sentido, a teoria do desvio produtivo  do consumidor chama a atenção para essas questões, instigando uma reflexão profunda sobre o valor do tempo e a necessidade de uma compensação adequada por sua perda. Este reconhecimento vai além da compensação financeira, tratando-se de uma questão de justiça e respeito ao consumidor.

Assim, torna-se essencial que o poder judiciário abandone a noção de mero aborrecimento ou dissabor, adotando a teoria do desvio produtivo na resolução de conflitos de consumo, sempre que o caso concreto o exigir.

Ao reconhecer o tempo desperdiçado como um dano significativo que merece reparação, o judiciário estaria não só promovendo uma justiça mais abrangente para os consumidores prejudicados, mas também estimulando os fornecedores a implementarem práticas mais éticas e responsáveis. Esse movimento seria um passo importante rumo a um mercado mais justo e equilibrado, onde o respeito aos direitos do consumidor é uma prioridade.

A implementação dessa teoria no âmbito jurídico e empresarial traria benefícios tangíveis para a sociedade, promovendo um ambiente de consumo que valoriza o tempo e o bem-estar dos consumidores. Isso representaria um avanço significativo na proteção dos direitos do consumidor, alinhando as práticas de mercado com os princípios de justiça e respeito.

Portanto, o Dia Mundial do Consumidor sempre nos oferece uma oportunidade para reafirmar o compromisso com a melhoria contínua dos direitos do consumidor, enfatizando a importância de uma abordagem que reconheça o valor inestimável do tempo. A adoção ampla da teoria do desvio produtivo é um marco na evolução das relações de consumo, assegurando que o respeito ao tempo dos consumidores seja uma prioridade inegociável nas práticas de mercado.

Ulisses Damas Couto

Advogado especialista em Direito do Consumidor, com atuação no Direito Bancário. Presidente da Comissão de Direito e Defesa do Consumidor da OAB Divinópolis 

Membro do Conselho Municipal de Defesa do Consumidor

Dirigente do Procon Municipal de 2017 a 2020

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