Caminhava eu por uma de nossas ruas, na maior inocência, quando fui abordado por um morador de rua que, de mão estendida, implorava algum dinheiro para garantir o seu almoço. Expliquei-lhe que eu também estava sem grana, mas poderia lhe ceder R$ 2. Trocar a minha doação por um prato de comida impossível, eu sei, mas pelo menos um café, certamente não haveria dificuldades. O morador de rua pegou a cédula, olhou nos meus olhos, e perguntou: “Se somos todos filhos de Deus, por que alguns são ricos e outros pobres?”
Quero acreditar que os mais afortunados trabalharam mais, souberam administrar melhor seus bens, respondi. “Errado. Quem acumula riquezas em cima de riquezas é porque roubou de outros”, retrucou o morador de rua com aspereza. E acrescentou: “Quando meu pai morreu, minha mãe já estava doente. Eu, sem juízo, resolvi aproveitar a vida: mulherada, bebidas, farra. Quando acordei desse sonho das mil e uma noites, meu cunhado havia me passado a perna. Hoje, ele está podre de rico e eu jogado na rua, implorando aos outros a caridade que não fiz”.
Eu quis continuar a conversa, saber mais, entender como uma pessoa rica pode ficar pobre como num passe de mágica. Mas ele encerrou o papo e afastou-se lentamente em direção a uma senhora, que estava no ponto de ônibus, e repetiu a surrada frase: “Uma ajuda para o meu almoço”. Mais uma vez não foi bem sucedido na empreitada.
Diante de tantas mazelas que rondam o ser humano, a riqueza não pode ser encarada apenas como acúmulo de bens materiais. Conheço pessoas que têm muito dinheiro, mas são infelizes, pois, como diz o evangelista, “onde estiver o seu tesouro aí estará o seu coração”. Geralmente, acontece assim: os pais acumulam, os filhos esbanjam e os netos ficam sem nada. Outro agravante: os ricos tiram do governo, o governo arranca o couro dos pobres. Já os pobres, como não podem fazer a roda girar, tiram dos seus semelhantes e deixam os incautos na miséria.
O modelo que controla nossas vidas insiste na necessidade de acumular bens. Só é celebridade quem está na crista da onda: carro do ano, apartamento na praia, viagens ao exterior, polpuda conta bancária. No entanto, cada caso é um caso. Conheço também pessoas de hábitos simples, com o necessário apenas para viver, mas são felizes, solidárias, capazes de repartir o pouco que tem. No meu entendimento, na batalha do dia-a-dia, o mais importante não é a luta ferrenha para evitar as quedas, mas ter a coragem de se levantar e dar a volta por cima. Quem nunca caiu que dê risadas da queda dos outros, enquanto puder.