Depois que entorna 

As águas ainda ultrapassam os telhados. Pessoas seguem ilhadas. Famílias se ajeitam em espaços mínimos disponibilizados em abrigos. Socorristas e voluntários trabalham sem saber quando voltam para casa. A população se mobiliza em doações para os desabrigados. 

A cada dia, uma nova história é destaque em meio a tantas outras de tristeza e desolação. As perdas se acumulam, humanas e materiais. Em meio ao caos no Rio Grande do Sul, a Câmara de Deputados anunciou o desengavetamento de leis “antitragédia”. Ao invés de alívio, a decisão traz revolta. É impossível sentir esperança. Afinal, o “caldo já entornou”. Depois das enchentes que destruíram cidades inteiras no estado gaúcho, o Poder Legislativo decidiu destravar a votação de nove projetos de prevenção a desastres climáticos – a maior parte apresentada na década passada. É estarrecedor pensar que quem é pago para criar leis e políticas públicas para evitar tragédias como essa, não cumpre o mínimo, o básico de suas obrigações. 

O caldo entornou e fica a pergunta: e aí? Rio Grande do Sul, Brumadinho, Mariana… as tragédias evitáveis se amontoam no histórico de vexames do Brasil. No histórico de incompetência da política brasileira, resultado da polarização política e da falta de uma educação de qualidade que dê ao povo os instrumentos certos para lutar e cobrar por seus direitos. Essas tragédias evitáveis só levam a uma constatação. O Brasil é o país do “após”: após calamidade, após o rompimento, após, após… O país do “depois que acontecer, a gente vê o que faz”. 

É surreal pensar que isso não acaba por aqui. Outras tragédias totalmente evitáveis continuarão acontecendo por aqui. Afinal, falta prevenção e políticas públicas que garantam ao povo segurança. O brasileiro tem hoje apenas o já velho conhecido “depois que acontecer, a gente vê o que faz”. Quando o caldo entornar, projetos são destravados, instauram comissões – que não dão em nada –, tudo até a próxima tragédia.

De 2015 para cá, desde a tragédia de Mariana, se o povo fizer uma “linha do tempo”, perceberá que pouco mudou. A política brasileira continua igual: amadora e ineficiente. Poderia-se dizer que piorou. Afinal, é muita falação para pouca ação. Tudo está no mesmo lugar. 

É “nesse passo” que o Brasil permanece andando em círculos. A população polarizada, dividida, apaixonada por políticos e ideias fictícios, se esquecendo do que realmente importa, e pagando uma conta, diga-se de passagem bem salgada, por seu comportamento que leva ao mesmo caminho: dor. Como não há outro trajeto, o jeito é aceitar, juntar os cacos, e ver se dá para fazer algo depois que o caldo entornou.

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