Livre arbítrio 

No ano de 395, Agostinho de Hipona (ou Santo Agostinho, para a Igreja Católica) publica uma obra* que influenciou de forma marcante o pensamento humano até os dias de hoje. Nela, ele afirma que todo ser humano tem liberdade de escolha e isto depende de sua vontade, que é soberana. Se antes gregos e romanos afirmavam que alguns nascem mais virtuosos que outros, Agostinho vai dizer que somos iguais no nascimento e a virtude será consequência do uso correto desta liberdade de escolha, ao que chamou de “Livre Arbítrio”. 

Agostinho vai buscar nas escrituras sagradas a justificativa para a sua tese, afirmando que Deus concedeu-nos a liberdade para que fossemos iguais, autônomos e independentes. Quando fazemos bom uso da liberdade nos aproximamos Dele e da salvação. O pecado representa o mau uso desta liberdade e teremos que acertar contas por isso. Neste sentido, é a partir de Agostinho que a liberdade passa a ser o fundamento da moral.

Esta tese perdurou intangível por muitos séculos, mas hoje é questionada. No ano de 2008, no livro intitulado “Liberdade e Neurobiologia”, o filósofo estadunidense John Searle afirma que a vontade não é soberana; que não é sempre que temos o domínio de nossa mente para escolhermos o caminho da racionalidade. Segundo ele, sempre que a nossa ação for motivada (causa intencional) por crenças e desejos agiremos de forma irracional:

“(…) Na ação irracional as crenças e desejos são causalmente suficientes, ao passo que na ação racional não há tal vínculo causal. A ação racional caracteriza-se justamente por não ter os desejos e as crenças como causas suficientes. Numa decisão racional para agir, a razão deve ser independente do desejo.”

Para entendermos, vamos ao dia a dia. Em partida de futebol realizada em 24/05/24, entre o América-MG X Santos, houve um lance que gerou muita polêmica. Numa disputa de bola o goleiro santista leva a melhor, porém se machuca sozinho e abandona a bola. O atacante americano, mesmo vendo o goleiro lesionado, aproveita a oportunidade e faz o gol. 

Alguns comentaristas acompanharam a tese de Agostinho e criticaram o atacante americano alegando que, por ter a vontade soberana, ele não poderia agir assim. Deveria esquecer-se da disputa e prestar assistência ao goleiro, conforme sugere o flair play. Ao apoderar-se da bola e fazer o gol ele agiu de forma imoral. Faltou-lhe um discernimento ético com o colega de profissão.

Outros acompanharam a tese de John Searle, alegando ser impossível ao atacante agir de forma diferente. Ao entrar em campo, a mente do atacante se volta para o desejo natural de marcar gols. Tal desejo domina a sua mente e se torna uma causa intencional de ação irracional. Como afirma John Searle, sob o domínio do desejo não há ação racional.

E para você, qual a sua opinião? Como agiria numa situação desta? Será que aqueles que criticaram o atacante agiriam de forma diferente, caso estivessem no lugar dele? Se você achou interessante, acompanhe a nossa coluna aqui no Jornal Agora. Sempre nas 3ª feiras, a cada 2 semanas. Na próxima edição o assunto será: A filosofia e a religião.

* AGOSTINHO. Livre Arbítrio. Tradução de António S. Pinheiro. Braga: Faculdade de Filosofia. 1986

Alberto Gigante Quadros

  Médico / pós-graduado em Bioética pela UNESCO 

Graduando em Filosofia pela UFSJ  

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