Golpe do falso câncer: MP descarta participação de advogado 

Bruno Bueno

O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) descartou na última semana a participação de advogado no golpe do falso câncer em Divinópolis. Três pessoas estão presas preventivamente suspeitas de receberem R$ 656 mil dos cofres públicos através de uma fraude milionária, que teve o profissional como autor da causa. 

A operação ‘Efeito Colateral’ foi deflagrada pelo MP por meio do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) Regional de Divinópolis.

Pedidos

O promotor Marcelo Valadares Lopes Rocha Maciel, solicitou que Elton Henrikley da Silva, conhecido como “Goiano” e morador de rua, devolva todos os valores recebidos do Estado. Além disso, o acusou de litigância de má-fé e pediu a aplicação de multa.

— A litigância de má fé se verifica vez que houve  alteração da verdade dos fatos, visando  usar do processo para conseguir objetivo ilegal. As  normas de processo civil exigem da parte o dever de expor os fatos conforme a verdade. No caso, ele se valeu de artifícios para lesar o Estado — afirma a advogada Adriana Ferreira.

A soma das penas para todos os envolvidos pode chegar a 40 anos.

Quem são? 

De acordo com o MP, a cabeça do crime era assessora da Vara da Fazenda Pública e Autarquias. Bárbara Carrano Marques, de 27 anos, articulou a liberação de R$ 1,6 milhão para a suposta compra de medicamentos destinados a um falso câncer. Quase um terço do valor já havia sido depositado.

Ela contou com o apoio do namorado Gustavo Henrique Oliveira, de 30 anos. Ele possui uma vasta ficha criminal e tem passagens por roubos, tráfico de drogas, crimes contra a vida e receptação.  

O terceiro envolvido é um morador de rua. Elton Henrikley da Silva, de 46 anos, emprestou seu nome para a abertura da conta onde os valores foram depositados. Segundo o promotor, “Goiano”, como é conhecido, tinha total ciência da ação.

Advogado

Eder Luis Barros de Moura entrou com a petição no dia 19 de janeiro deste ano para conseguir o dinheiro. À reportagem, ele revelou não saber que a ação era um golpe.

— Eu também fui pego de surpresa. Fui enganado tal qual o Estado. O namorado me procurou no ano passado e eu só fiz meu trabalho — disse.

O advogado disse que não teve contato com o morador de rua.

— Só falei com o namorado da assessora. Ele sempre me dizia que o homem estava debilitado e não poderia sair de casa. Eu entregava a documentação e ele devolvia assinado — comenta.

O MP descartou a participação do advogado e disse que ele é apenas uma vítima.

Petição

O Agora teve acesso à petição do advogado. Nela, Eder afirma que o morador de rua tem uma doença grave e que necessita de um medicamento especial.

— Conforme comprova a documentação anexa, o demandante é portador de amiloidose sistêmica, cujo tratamento deve ser feito o mais rápido possível. Nem é preciso enfatizar que referida doença está causando enorme transtorno na vida do requerente, podendo, inclusive, causar-lhe a morte — consta.

O profissional ressaltou na petição que o gasto mensal com o medicamento Daratumumabe 1800mg seria de R$ 131 mil. 

— Em uma análise orçamentária, o mais em conta chega às cifras de R$ 32 mil, sendo que cada caixa contém uma ampola de 15ml, portanto um gasto mensal de R$ 131.920,00. Como já informado, o requerente não possui tal quantia para arcar com o tratamento, pois atualmente se encontra desempregado morando de favor e recebendo ajuda de vizinhos — pontua. 

Documentos assinados por um médico hematologista foram anexados no processo. Eles confirmam que o morador de rua possuía a condição especial. A reportagem tentou contato com o profissional, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem, por volta das 18h, não obteve retorno. A suspeita é que os documentos foram fraudados.

Pagamento

O juiz Marlúcio Teixeira de Carvalho acatou o pedido no dia seguinte (19 de janeiro) e solicitou o fornecimento do medicamento em até 24 horas, sob pena de sequestro de valores.

O depósito não foi feito e o advogado solicitou, no dia 24 de janeiro, o pagamento de R$ 131 mil, valor destinado à compra de quatro ampolas. Depois, solicitou a mudança do valor para R$ 461 mil, referente a 12 ampolas.

— Compulsando os autos, verifica-se que a parte necessita de aplicações por ciclos, ou seja, 12 (doze) ampolas para 3 meses, ou 16 (dezesseis) para quatro meses (…) — consta.

O magistrado acatou o pedido, mas readequou o valor para R$ 428 mil. O magistrado bloqueou o valor do Estado e autorizou o envio do dinheiro para o morador de rua. Os recursos foram repassados dia 29 de janeiro.

Efeito suspensivo

O Estado solicitou efeito suspensivo da ação no dia 7 de fevereiro. A petição afirma que o Governo de Minas não tinha competência para fornecer o medicamento e que tal ação deveria ter sido feita à União. 

O agravo de instrumento foi negado pela Justiça no dia seguinte.

Prestação

O advogado do morador de rua apresentou, no dia 20 de fevereiro, diversos documentos prestando conta da compra dos medicamentos. Notas fiscais e comprovantes bancários foram fraudados para dar prosseguimento ao golpe.

No dia 7 de março, o Estado apresentou um pedido de contestação e solicitou novamente que a responsabilidade pelo pagamento dos medicamentos deveria ser transferida para a União Federal. O pedido não foi acatado.

Mais recursos

O golpe seguiu seu curso. No dia 9 de abril, o advogado do morador de rua solicitou o sequestro de R$ 227 mil para continuar o suposto tratamento. O juiz Marlúcio Teixeira de Carvalho acatou a solicitação, bloqueou os recursos e autorizou o repasse do valor.

O pagamento foi realizado no dia 22 de abril. Neste momento, os golpistas já tinham R$ 656 mil. A prestação de contas foi enviada no dia 3 de maio. A Secretaria de Estado de Saúde (SES) não respondeu os questionamentos sobre a validação dos recibos. Segundo a apuração da reportagem, a pasta entrou no Ministério Público para investigar os documentos. 

Investigação

A investigação do Ministério Público começou há dois meses. A reportagem apurou que a denúncia partiu da SES-MG. Inclusive, esse é o provável motivo pelo qual a pasta não respondeu sobre a prestação de contas dos medicamentos.

Bárbara, Gustavo e Elton foram presos no dia 19 de junho. A operação ‘Efeito Colateral’ contou com a participação de dois promotores de Justiça, oito agentes do Gaeco e 15 policiais militares, e um total de oito viaturas.

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