Essência ou existência? O que caracteriza o ser humano?

O homem é um ser racional. Este foi o tema central do nosso último artigo. Esta assertiva de Aristóteles, escrita por volta do ano 300 aC., percorreu intocável a história da filosofia por mais de dois milênios. Filosoficamente, este conceito do grego reflete uma ideia de determinismo, inferindo que o ser humano, ao nascer, já carrega uma essência que irá acompanhá-lo para o resto da vida. Em outras palavras, significa que o uso da razão é o que nos torna únicos.  E mais, esta característica é imutável, independente do local e do tempo onde cada um nasceu. 

Porém, em 1840, o filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard publicou o seu primeiro livro (O Conceito de Ironia), trazendo algumas dúvidas sobre esta afirmação de Aristóteles. Nada de questionar a nossa capacidade de raciocínio. Mas será que é ela o que caracteriza e torna os humanos únicos? Para ele, “o homem é aquilo que se torna: ele se faz, se elege e existe. Ele é responsável pela sua existência, vive interessado infinitamente por existir”. Neste sentido, além do raciocínio, somos seres que temos sentimentos e por eles fazemos escolhas, pois é assim que construímos o nosso mundo. E serão as escolhas de cada um que darão sentido e autenticidade a sua vida. É um erro deixar que a sociedade ou a religião faça isto por nós. Desta forma, o dinamarquês procurou dar objetividade ao que, para ele, realmente define o que é o ser humano: mais importante que a nossa essência (razão) é o sentido que damos a nossa existência. 

Com Kierkegaard surge uma nova corrente da filosofia, denominada de existencialista, que nos exige escolhas e por elas somos responsáveis, mesmo sabendo que tal responsabilidade pode nos atormentar. Porém, aquele que assume sua responsabilidade se torna livre e deixa de ser escravo dos outros. Passa a ser escravo das próprias escolhas e o único responsável pelo seu sucesso ou fracasso. É por isso que, no existencialismo, o homem é “condenado a ser livre”. Culpar os outros é um discurso de fraqueza, de impotência. Melhor ser escravo da liberdade do que do outro.

Trazendo esta discussão para o nosso dia a dia, saúdo a nossa leitora Maria Cláudia, que puxou a minha orelha, por só mencionar filósofos homens. Então, cito Simone de Beauvoir e sua clássica frase: “Não se nasce mulher, torna-se mulher“.

Para Beauvoir, desde sempre, a história traçou um modelo de qual deve ser o comportamento da mulher: levar uma vida monótona cuidando da casa e criando filhos, além de satisfazer o apetite sexual dos homens, independente de ter ou não prazer com isto. Ao nascer, a mulher deve adotar e seguir esta rotina, para ser bem vista pela sociedade. Esta deve ser a essência de sua vida. 

A filósofa se rebela contra isto e, como existencialista, reivindica o direito da mulher – tal como ocorre com os homens – de exercer suas escolhas, refutando o padrão machista da sociedade. Abraçando a bandeira da liberdade, ela conclama o sexo feminino a tornar-se mulher através de projetos próprios, com todos os perigos e incertezas que eles possam acarretar. Ela não só escreveu estas coisas, mas levou isto as últimas consequências em sua vida de escritora, intelectual, filósofa, ativista política, feminista e teórica social.  Desta forma, Simone de Beauvoir muito contribuiu com o movimento de emancipação e conquista de direitos pelas mulheres. 

E para você, o que caracteriza o ser humano? O que trazemos no nascimento ou o destino que damos a nossa vida? Essência ou existência? Se você achou interessante, acompanhe a nossa coluna aqui no Jornal Agora. Sempre nas 3ª feiras, a cada 2 semanas. Na próxima edição o assunto será: O que é a política?

Alberto Gigante Quadros

  Médico / Pós-graduado em Bioética pela Unesco

Graduando em Filosofia pela UFSJ 

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