Mensagens revelam ameaças a assessor especial da Prefeitura 

Da Redação

Quase sete meses após serem presos, os quatro acusados de extorquir o assessor especial da Prefeitura de Divinópolis, Fernando Henrique, foram condenados pela Justiça Federal. A sentença foi publicada na sexta-feira, 16. Dois deles receberam a pena de 9 anos, 4 meses e 15 dias de prisão, enquanto os outros dois precisam cumprir 10 anos, 10 meses e 15 dias. A juíza Ana Carolina Oliveira também não permitiu que  recorressem em liberdade. Eles estão atualmente presos no Presídio Floramar. 

Prisão

Todos foram detidos no dia 23 de janeiro deste ano, quando deixavam o Centro Administrativo, após novamente ameaçarem o assessor, exigindo o pagamento de propina. Segundo as investigações, eles desejam obter 50% da verba de R$ 1,9 milhão enviada pela União ao Município, através da Lei Paulo Gustavo, do Ministério da Cultura. 

Conforme a denúncia, os então réus alegavam ser os articuladores da verba e, por isso, deveriam receber parte do valor. Todos negaram as acusações, mas, de acordo com a juíza, os elementos apontam para a comprovação do crime. 

— (…) restou claro que as alegações dos réus em seus interrogatórios fugiram da realidade dos fatos e não se mostraram suficientes para afastar as condutas que lhes foram imputadas na denúncia — ressaltou na sentença.

O documento ao qual o Agora teve acesso também detalha o caso, com base na denúncia oferecida à Justiça. Segundo o relato, Fernando Henrique procurou a Polícia Federal (PF) em 19 de março do ano passado, quando um dos suspeitos o abordou oferecendo intermediar a liberação de recursos do Ministério da Cultura, através da Lei Paulo Gustavo. Ao receber a verba, a Prefeitura deveria devolver a ele 25%, usando meios ilegais. A ideia era promover uma licitação ‘direcionada’, onde sua empresa sairia vencedora. Ao dar um exemplo de como funcionaria o esquema, citou que o edital poderia prever a contratação de um show que custaria, na prática, R$ 50 mil, mas a nota seria emitida no valor de R$ 100 mil. Conforme explicou o assessor à reportagem anteriormente, o Município já teria direito a receber os recursos, sem necessidade de qualquer articulação. 

Divinópolis recebeu, em agosto do mesmo ano, R$ 1,9 milhão. Desde então, o assessor passou a negar as insistências do intermediador para repassá-lo parte do valor. A insatisfação levou os negociantes a irem até a Prefeitura, em janeiro deste ano, atingindo  50% do valor – 25% do inicialmente solicitado mais 25% de multa pelo não pagamento.

Dois dos suspeitos, inclusive, fizeram ameaças à vida de Fernando e sua família, relatou o assessor em seu depoimento. 

— (…) firmavam saber de toda a vida dele e de seus familiares, tendo sido dito que ele estava sendo monitorado há vários dias, sendo que, se o pagamento não fosse concretizado, ele e sua família seriam mortos — descreve a sentença.

A primeira visita ao Centro Administrativo aconteceu pela manhã, oportunidade em que prometeram voltar às 17h para buscar o dinheiro. Nesse intervalo, Fernando novamente  procurou a Polícia Federal. Uma equipe de agentes foi acionada para acompanhar a situação. Os servidores permaneceram numa sala ao lado do gabinete de Fernando. Os indivíduos voltaram à Prefeitura por volta das 16h40. 

— Durante as conversas foram realizadas diversas ameaças contra o servidor e seus familiares, caso ele não pagasse a quantia exigida. A conversa foi ouvida por três policiais federais (…), que estavam na sala ao lado, cuja parede divisória não alcançava o teto, enquanto outros policiais se encontravam espalhados em pontos estratégicos do prédio da Prefeitura — relata a denúncia. 

Os quatros homens foram presos quando deixavam a Prefeitura. 

Defesas

As defesas solicitaram, em um dos pedidos, a declaração de incompetência da Justiça Federal para julgar o caso, uma vez que a verba já havia sido transferida para o Município. A juíza, no entanto, rejeitou a solicitação, visto que a vantagem indevida seria obtida por meio de verba federal, através da Lei Paulo Gustavo, com origem no Ministério da Cultura e sujeita à prestação de contas à União. Outro argumento do tribunal é o fato do recurso ser condicional, ou seja, caso não seja utilizado, deve ser devolvido, não podendo ser incorporado ao caixa do Município. 

As partes pediram, ainda, a nulidade do processo em razão de escuta ambiental ilegal e flagrante preparado, quando um cidadão é induzido a cometer um crime para ser preso. Novamente, a magistrada rejeitou a tese. Segundo ela, os agentes apenas monitoraram a situação e, posteriormente, prenderam os então suspeitos.

— No caso, não se constata a ocorrência do chamado flagrante preparado, mas sim do flagrante esperado, o qual é amplamente aceito pela jurisprudência dos Tribunais Superiores e que diverge da modalidade preparada, vez que a autoridade policial foi apenas comunicada, mas não interveio nas ações realizadas, ou seja, apenas acompanhou o desenrolar dos fatos sem tomar parte deles — ressaltou.

Sobre a escuta possivelmente ilegal, justificou que a medida é legal, mesmo sem autorização judicial, quando há permissão de um dos interloucutores — nesse caso, Fernando. 

Depoimentos

Todos os réus negaram a extorsão contra Fernando. Alegaram estar em Divinópolis para captar clientes para uma roda de negócios em São Paulo ou mesmo articularem o início do funcionamento de uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, os quais tinham parentes que trabalhavam no setor cultural e de shows. Na avaliação do tribunal, os depoimentos não encontraram sustentação material. 

— Encerrada a instrução processual, restou claro que as alegações dos réus em seus interrogatórios fugiram da realidade dos fatos e não se mostraram suficientes para afastar as condutas que lhes foram imputadas na denúncia — pontuou a juíza. 

Áudios

A sentença também descreve trechos dos áudios, captados minutos antes da prisão, pelos agentes da PF. Em um deles, Fernando comunica que o valor foi destinado aos artistas.

— (…) Te juro por Deus, eu não pus a mão nesse dinheiro, não — afirma. 

Em determinado momento, um deles questiona: “Você quer que eu volte aqui de novo? Você tem certeza?”. E volta a exigir o pagamento.

— Você tá com problema. Você entrou porque você quis. Só me ouve. Só ouve. Cadê a grana? — exige. 

As cobranças pelo dinheiro continuam e Fernando afirma que tentará arrumar. 

— Vamos cronometrar aqui. Vamos marcar no relógio aqui. Você tem uma hora para arrumar — diz um deles. 

A ameaça, aponta a sentença, sobe de tom por volta dos 10 minutos. 

Acusado 1: Você sabe o que é dar baixo no CPF? 

Fernando: Sei .

Acusado 1: Então tá. A letra é essa. 

Acusado 2: Se vira. 

Antes de irem embora, Fernando é novamente ameaçado. 

— Eu não sou moleque, não. Eu sou assassino. Eu vou chegar para acabar com sua vida. Se não atirar em você, eu atiro na sua mulher. Se eu não atirar na sua mulher, eu pego sua mãe. Se não pegar a sua mãe, pego seu parente. Tá bom? (…) Eu quero a grana. Faça o que você tiver que fazer. Eu vou meter o pé na porta. (…) Eu vou para cima. Você tá falando com vagabundo, maloqueiro. Sou assassino. Eu meto bala na sua cara. Vou te falar, logo. Tá com gracinha, rapaz? — consta na transcrição do áudio. 

O assessor volta a se defender. 

— Eu te mostro minhas contas todas. Eu não pus a mão num real desse dinheiro. Não, sô, pode olhar. Se quiser eu passo meu CPF agora — garante Fernando. 

A conversa se estende e, após 24 minutos e 30 segundos, é encerrada, quando todos deixam a sala. 

Apreensões

O documento aponta, ainda, as conversas de texto e áudio obtidas nos aparelhos celulares dos então réus, após a quebra de sigilos. 

— (…) não deixam qualquer dúvida de que os réus vieram até este município com o objetivo único de constranger Fernando para que fosse paga a eles a propina exigida — pontua a juíza. 

Os diálogos apontam para a tentativas de monitorar os recursos que chegavam à cidade.

— (…) se nós pegar os 50% é 250 mil para cada um — comenta. 

Um dos envolvidos é servidor do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 

— (…) eu sou funcionário do tribunal aqui há 42 anos. A gente conhece um pouco, entendeu? A gente conhece um pouco dos caminhos, a gente conhece um pouco da malandragem — afirma em uma das mensagens. 

Outras conversas também revelam o temor dos envolvidos no esquema ser descoberto. Segundo o trecho, um deles já era investigado. 

—(…) a comissão era de 25% por cento, agora ele já quer pegar todo o dinheiro. O cara não vai dar irmão, nem tem o dinheiro. (…) E eu vou ser sincero para você, eu não vou por minha cabeça nessa situação porque esse cara já deve tá sendo vigiado, cara. De repente foi até um alerta para gente, entendeu? Se a gente chega aí, o cara está no reservado, a gente chama o cara, dá um duzentos e vinte no cara, chega a polícia do reservado, da boina azul, a gente tá junto. ‘Ah, eu vim cobrar o que?’ ‘Um dinheiro que é do governo federal’. Você cai junto, entendeu? (…) Não vou pôr minha cabeça à prêmio não. (…) Você quer arriscar fique à vontade cara, e aí ser certo vocês dividem esse dinheiro pra vocês três. não precisa contar comigo não, entendeu? — avalia. 

Em outro diálogo, em outubro do ano passado, eles conversam sobre a exoneração de Fernando e o receio de terem sido enganados. 

— (…)  eu clico ele, coloco no carro, a gente mete um sequestro nele e faz ele desbuiar os quinhentos mil, você está me entendendo? — sugere. 

Na avaliação da juíza, os elementos são suficientes para comprovar o planejamento da extorsão.

— Conforme já mencionado, a prova extraída dos aparelhos celulares é forte o bastante para, sozinha, amparar um decreto condenatório, mas, além dela, ainda há os documentos apreendidos em poder dos acusados — pondera. 

Provas

Documentos apreendidos também corroboraram para a articulação criminosa. Dentre os papéis, a possibilidade de uma segunda liberação de verba federal, desta vez no valor de R$ 4,4 milhões, “supostamente oriunda do Ministério da Saúde, sobre a qual deveria ser cobrada uma comissão/propina no valor de R$ 1.200,000,00”, aponta a decisão. 

 Por fim, a juíza cita que os coautores agiram na intenção de constranger o assessor especial, “mediante grave ameaça, com o intuito de obter vantagem econômica indevida”, 

— (…) não restam dúvidas quanto à materialidade, à autoria e ao dolo, o que resulta na responsabilidade penal dos acusados na prática do delito em exame — concluiu.

A sentença também determinou a perda do cargo público exercido por um dos réus no Tribunal de Justiça de São Paulo por abuso de poder e violação do dever à administração pública. Todos podem recorrer, porém, sem direito a responder em liberdade. 

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