A velhice como prêmio

Augusto Fidelis 

Ontem à noite, como de costume, entrei no ônibus que me levaria para casa. Estava lotado. Tão logo passei pela roleta, uma simpática mocinha, que estava no banco mais próximo da porta, levantou-se imediatamente e disse: “Senta aqui, por favor”. Feliz, agradeci a gentileza e sentei-me solenemente. No meu entendimento, a minha benfeitora desceria no ponto seguinte, daí a gentileza. Passou o primeiro, o segundo, o terceiro e a mocinha se mantinha de pé e só desceu no terceiro ponto da rua Pernambuco.

Assim que a ficha caiu, entrei em pânico: a moça me confundiu com um velhinho; já estou na terceira idade sem perceber; o que parecia uma boa obra tornou-se um insulto. Por pouco não chamei os homens da lei para irem ao encalço dela e prendê-la por desacato. Ainda vasculhava o meu saco de maldades quando a minha consciência me deu uma marretada na cabeça, acompanhada da incômoda pergunta: vai pagar o bem com o mal, ingrato? Aquietei-me. 

Hoje, no entanto, tão logo cheguei ao trabalho, apresentei a questão a dois colegas. Um deles me perguntou: “Não seria uma ouvinte do seu programa?” Hum! Será que é? Nesse momento, adentrou à sala o chefe. Contei-lhe tudinho e pedi o seu parecer. O chefe recorreu a seus profundos conhecimentos, analisou as várias hipóteses e concluiu que cabelos brancos podem provocar ilusão de ótica, levar as pessoas a acreditarem que alguém tenha mais idade do que realmente tem. Ao amenizar a questão, devolveu-me uma pergunta: não seria uma admiradora de Vossa Excelência?

A vida não pode ser feita só de perguntas, tem de haver alguma resposta. Prossegui com as consultas. Dirigi-me ao colega na sala ao lado, contei a história e perguntei: você me conhece há muito tempo; você acha que eu envelheci? Ele me olhou de baixo para cima e respondeu: “Meu amigo, você está um caco, barrigudo, perna fina, uma mula velha; não vai pintar esse cabelo?” Boquiaberto, meio tonto, liguei para a Maninha, na esperança de encontrar um consolo. Depois de repetir toda a história, ele saiu com esta: “você acabou, meu caro, parece o Pai Zuza; não vai pintar esse cabelo?”

Caramba, como pode haver no mundo pessoas tão cruéis?! Imagine o meu estado! Pensei em recorrer à sabedoria do David, mas achei por bem não fazê-lo pois, junto àquele poço de timidez, não encontraria outra resposta senão uma face enrubescida. Pensei bem e concluí: envelhecer é chato, mas a outra opção é morrer. Então, agora tenho a seguinte opinião: nascer é uma possibilidade, viver é um risco e envelhecer, um privilégio. Vou enterrar este assunto. Você, caro leitor, estimada leitora, o que acha disso?

agustofidelis1@gmail.com 

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