A prima Vera vem aí

Quando eu era criança, ao ouvir falar da primavera, imaginava ser a dona Vera que residia em Oliveira, prima de um coleguinha. Era uma mulher alta, de cabeleira loira e olhos azuis, educada e de fala mansa. Todas as vezes que visitava os seus parentes não se esquecia do pão sovado, pirulitos e balas. Embora não fosse eu o alvo das suas benesses, sempre me usufruía delas.

Em setembro, com frequência, as pessoas diziam: “Está chegando a primavera”. Como a dona Vera não aparecia, aquilo me deixava intrigado. Já estava grandinho quando fui entender que se tratava de uma das estações do ano, com início no equinócio de setembro, no caso do hemisfério sul, e final no solstício de dezembro. A primavera sucede o inverno e precede o verão.

Chama-se equinócio cada uma das duas épocas em que o sol, no seu movimento aparente, passa pela linha do equador, fazendo com que o dia e a noite tenham a mesma duração em todos os países do mundo. Isso ocorre sempre no dia 21 ou 22 de março e, na mesma época, no mês de setembro. Já o solstício é quando o sol se afasta ao máximo da linha do equador, tornando o dia mais longo num hemisfério e a noite mais longa em outro. Isso acontece duas vezes por ano: no dia 21 de junho e 21 de dezembro.

Nas regiões do mundo onde o inverno é mais rigoroso, a chegada da primavera é muito nítida. Renova-se a vegetação, mais flores e os pássaros cantam de forma mais vibrante. Poeticamente, chama-se de primavera a juventude do ser humano; época de sonhos, de descobertas e de entusiasmo para com a vida.

Padre Antonio Lucio Vivaldi (1678 – 1741), compositor italiano nascido em Veneza, escreveu quatro concertos com os nomes das estações do ano. “La primavera” é o mais conhecido deles, principalmente o primeiro movimento, ou seja, o alegro de abertura. Na Europa (lá a primavera começa em março) são comuns os concertos e festivais que marcam a chegada da estação. Os mais famosos são os festivais de Royan (França) e de Praga (Tchecoslováquia).

Por estas paragens, muitas coisas mudaram: as folhas já não caem no outono e não há a necessidade de se acender fogo no chão como outrora, pois o inverno perdeu o seu rigor. A primavera, porém, apesar de tantos pesares, continua desabrochando todas as flores na minha alma e no meu coração. Cecília Meireles, furtivamente, tirou da minha boca estas palavras: “Aprendi com a primavera a me deixar cortar. E a voltar sempre inteira”.

A prima  Vera, adulta quando eu era criança, com certeza já não existe. O pão sovado, as balas e os pirulitos há muito não contêm o mesmo sabor, mas a primavera outra vez vem aí, para admirarmos as flores que traz consigo. Assim, faço minhas as palavras de Florbela Espanca: “Há uma primavera em cada vida: é preciso cantá-la assim florida, pois se Deus nos deu voz, foi para cantar! E se um dia hei de ser pó, cinza e nada que seja a minha noite uma alvorada, que me saiba perder… para me encontrar”.
augustofidelis1@gmail.com

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