Podemos dizer que Sócrates (470 – 399 a.C.) foi um fervoroso defensor da liberdade de expressão. Ao caminhar pelas ruas de Atenas era costume seu inquirir as pessoas sobre o comportamento humano e assuntos ligados a administração da cidade. Nunca satisfeito com as respostas, continuava inquirindo para que todos expusessem as suas opiniões. Ele pensava que a construção da verdade passava por este exercício, que ele chamava de maiêutica (arte de fazer parir).
Outro grande filósofo, Agostinho (bispo de Hipona – Argélia), introduziu o conceito da liberdade de expressão sob o olhar do cristianismo, em um livro de título “Livre arbítrio” – que foi o tema de nossa coluna em 11 de junho. Preciso falar de Voltaire (1694 – 1778), quando ele diz: “posso não concordar com nenhuma palavra que você diz, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las”. Também é importante mencionar John Stuart Mill (1806 – 1873), o mais liberal dos filósofos que discorreram sobre o tema da liberdade de expressão.
A história comprova que a filosofia sempre serrou fileiras em defesa da liberdade de expressão. Porém, persiste uma polêmica: qual é o seu limite? Para a filosofia – com raras exceções – não existe direito absoluto, pois isto tende a ferir o coletivo. No caso da liberdade de expressão absoluta, é comum aqueles que detêm o poder da comunicação – como proprietários ou financiadores – sufocar o direito dos outros em benefício próprio. Vejamos dois exemplos atuais.
Arthur Lira, presidente da Câmara de Deputados, criticou o STF quando da suspensão da plataforma X, sob o argumento de que a liberdade de expressão é o pilar da democracia. No entanto, recorreu ao mesmo STF e conseguiu censurar vídeos de sua ex-mulher denunciando agressões físicas praticadas por ele. Elon Musk, sob o mesmo argumento, chamou de ditador o ministro Alexandre de Moraes, quando da suspensão do X Brasil. Porém, não hesitou em demitir jornalistas de sua plataforma, quando criticado por eles. Pau que bate em Chico alivia para Francisco?
A Constituição Federal do Brasil assegura a liberdade de expressão em seu artigo 5º e em seguida estabelece os seus limites. É muito importante que tenhamos divergências, pois é assim que surge o debate de idéias, que faz crescer o nosso conhecimento. O triste é que muitos não conseguem debater sem agredir os outros, ou mesmo invocar o ódio e a violência, julgando que assim vão se dar bem. Neste sentido, a lei impõe limites na liberdade de expressão e proíbe agredir a honra (injúria, difamação e calúnia), a dignidade do outro (racismo e discriminação de qualquer natureza) ou ainda atentar contra a democracia (propor golpe de Estado ou interrupção do processo eleitoral).
Diz o ditado popular que “pimenta no olho do outro é colírio”. E quando é no nosso? Será que aqueles que defendem a liberdade de expressão absoluta vão manter essa opinião, mesmo quando sua honra é injuriada, caluniada ou difamada? Pode Elon Musk defender a liberdade de expressão absoluta junto ao público externo (rede social) e aplicar a censura para o público interno (seus funcionários)?
Hoje, os analistas afirmam que o dono da plataforma X errou na dose e teve que voltar atrás. Menos de trinta dias após a suspensão de sua plataforma, ele acabou aceitando tudo que arrogava ser ilegal. Passou a reconhecer a soberania do Brasil, a reconhecer o nosso sistema jurídico, a impetrar recursos pela via do direito, a pagar as multas sofridas, a suspender as contas dos usuários que transgrediam as leis e indicar uma representante formal no Brasil. Não sabemos o tamanho da sinceridade que tal retratação carrega, pois seu passado é polêmico. Porém, o episódio serve como um bom exemplo para os grandes (e também os pequenos) da rede social. É provável que doravante todos vão pensar duas vezes antes de fazer da rede social um universo de bestialidades, onde tudo é permitido.
Se você achou interessante, acompanhe a nossa coluna aqui no Jornal Agora. Sempre nas 3ª feiras, a cada 2 semanas. Na próxima edição o assunto será: Razão ou desejo: quem move a nossa alma?
Alberto Gigante Quadros
Médico / Pós graduado em Bioética pela UNESCO
Graduando em Filosofia pela UFSJ
gigantequadros@gmail.com
